Artigo - Irmã Maria Vieira Feitoza


            Encontro da CRB de Maringá - Reencantar a vida religiosa
Introdução
 
            O que vem primeiro: a vida ou a atividade profissional seja ela qual for (inclusive a religiosa)?
            Tudo o que fazemos é um ato segundo. Digo isso porque o ato primeiro e fundamental é a própria vida e, por causa disso, a necessidade de cuidar dela adequadamente. Conseqüentemente, quanto mais e melhor nos construímos apresenta-se a possibilidade de realizarmos com muito mais competência, sentido e finalidade nossas atividades.
            Somos seres inacabados e, por isso, precisamos caminhar em direção da nossa própria construção.
            Não vemos, por exemplo, um Beija-flor com crise de identidade ou, ainda, um João de Barro numa profunda reflexão se ele irá construir ou não a sua casinha sobre o galho da árvore. Eles não precisam ser motivados porque a vida deles se resume num belo quadro sem possibilidade de surpresas ou ainda de perguntas.

1. Reencantamos a vida religiosa quando vivemos acima da mediocridade e da indiferença:

Deveríamos alimentar certo sentimento de ódio às pessoas indiferentes. A indiferença é uma doença. Quantas e quantas vezes a indiferença toma conta de nossas vidas e inutiliza nossos sonhos? Quantas e quantas vezes nossos planos mais bem sucedidos não ficam completamente comprometidos por causa dela? A indiferença é a matéria prima que se rebela e compromete o entusiasmo e a criatividade. Amarra nossos braços e trava as nossas pernas. Emudece nossos lábios e paralisa nossos corações. Fecha nossos olhos e corrói as nossas almas. O indiferente quando olha no espelho vê o reflexo de um covarde e de um parasita.
Ele é incapaz de tomar decisões que possam alterar substancialmente sua vida e mudar sua história e, por isso, prefere passivamente que os dias se prolonguem indefinidamente.  O indiferente não é capaz de apontar o rumo norte de sua vida. Não é capaz de escolher e tomar decisões. Seu mundo é um mundo reduzido. Sua visão é uma visão comprometida. Seus sonhos são sonhados por outros. Seus desejos desejados por outros. Seus caminhos percorridos por outros. Odeio os indiferentes porque estão tomados de uma passividade descomunal que compromete e sufoca a inteligência. Pensam que a indiferença que infecta e compromete a vida seja algo natural. Como se a indiferença estivesse presente na natureza das coisas e, assim, nada absolutamente nada poderia ser feito a fim de anulá-la. Por vezes pensam que a indiferença é um produto do destino e, por isso, como não é possível manipular e alterar o destino conformam-se indefinidamente à situação. Outros alardeiam que a indiferença seja algo dado por Deus e como é impossível alterar a vontade divina se sujeitam sempre ao mesmo estado de coisas. Mas a indiferença não é algo que vem de fora e, portanto, imutável. A indiferença não tem como berço a natureza, o destino ou ainda Deus. O berço da indiferença é o coração do próprio homem e da própria mulher. E, por isso, é passível de mudança. Não é uma força que vem de fora e nos domina, mas sim uma força que vem de dentro e necessita ser dominada.
Odeio os indiferentes que ficam a espera de uma mudança que nunca acontecerá. Odeio os indiferentes que gostariam de ouvir palavras que nunca foram pronunciadas. Odeio os indiferentes que paralisados sonham que estão caminhando nos passos dos outros. Odeio os indiferentes que buscam atingir o segundo passo quando o primeiro, covardemente, ainda não foi dado. Afinal, para esses, não importa se fazem ou deixam de fazer, se sentem ou deixam de sentir, se caminham ou simplesmente permanecem parados. Não compreendem que 100 passos dados em 100 caminhos diferentes não levam a lugar algum. Vale mais dar 10 passos num só caminho que se vai mais longe.
            O medíocre contenta-se em ser o que é. Nele não há espaço para mudança. É incapaz de esforço, de exigência (aumentar a), de superação de si. Superar-se, ser bem-sucedido no que empreende, vencer as provações, inventar, criar são paixões que podemos associar à idéia de vontade de poder (um conceito de Nietzsche).
            Uma tentação muito comum é nos acomodarmos com a média, o padrão do meio, a qualidade sem excelência, o mínimo necessário. A média é também o padrão da mediocridade. E isto é assustador, para dizer o mínimo. Quantas oportunidades temos na vida para realizar algo com excelência e qualidade? A maioria das vezes falamos, agimos, expressamos, sentimos, refletimos como se a rotina tivesse nos dominado por completo e, assim, ficamos completa e absolutamente à mercê dos mesmos gestos, dos mesmos pensamentos, das mesmas ações. A escravização pela mediocridade é uma das piores formas de escravização que pode acontecer a um ser humano. Passamos a ser escravos da nossa própria apatia que nos constrange a ficar parados enquanto podíamos caminhar.
            O medíocre se contentou em ser menos quando poderia ser mais. Trocou os passos firmes e prósperos em direção ao futuro pela comodidade dos passos lentos e trêmulos. O medíocre não consegue olhar para o horizonte. Sua visão de mundo é do tamanho de si mesmo. Olha para dentro ao invés de contemplar os espaços vazios do horizonte que precisam ser preenchidos por ele mesmo. O medíocre não pensa; mas deixa que outros pensem por ele. Não sonha; permite que outros sonhem por ele. Ao assumir o padrão da mediocridade vivemos como se não pudéssemos dar saltos de qualidade e de excelência na vida.
            Aqueles que optam tão somente pela média abandonam os desejos de explorar novos espaços e surpreendentes possibilidades. É possível medir o tamanho de um ser humano pela maneira como ele vive. Basta que olhemos para a maneira como vivemos o cotidiano. E dessa forma iremos descobrir algo que muito possivelmente estava escondido em nosso interior e que tínhamos certo receio de mostrar e demonstrar para todos, ou seja, para vencermos a mediocridade: Não basta sonhar, é preciso sonhar com qualidade e excelência; Não basta pensar, é preciso pensar com qualidade e excelência; Não basta amar, é preciso amar com qualidade e excelência; Não basta trabalhar, é preciso trabalhar com qualidade e excelência; Não basta viver, é preciso viver com qualidade e excelência.

2. Reencantamos a vida religiosa quando vivemos no e com o Espírito Santo:

            Uma das imagens mais belas do Espírito Santo é aquela em que ele é mostrado como se fosse um vento. E, entre tantas possibilidades que vem à mente, o vento pode ser visto como movimento e, portanto, ação. Não há passividade no Espírito e, de forma conseqüente, todas as pessoas com as quais ele tem contato, são levadas ao movimento e à transformação. Aonde o Espírito chega a passividade diz adeus e se instala de forma absoluta o desejo de mudar.
            Maria ficou grávida porque o Espírito agiu sobre ela. A partir desse momento Maria passaria pela maior das mudanças que poderia sequer sonhar. Jamais alguém foi transformado de tal forma e magnitude quanto Maria. Até então ela se encontrava presa aos afazeres do cotidiano de qualquer mulher de seu tempo. Mas, quando Maria percebe o vento novo que sopra em sua direção e se conscientiza de que está na hora de ser e de viver como uma nova mulher.
            O transcendente toma conta de Maria. Ela está grávida não de um projeto humano, mas de um projeto que vem do alto e que é maior do que ela mesma. O maior de todos os projetos coube adequadamente no ventre de Maria. A beleza de Deus se manifesta na grandeza de seus projetos que nascem dentro de nós e que devem ser gestados para o mundo.
            A ação do Espírito em Maria fez toda a diferença. Ela nunca mais seria a mesma. Sua vida estava irremediavelmente marcada e selada pela ação do Espírito. Seu ventre havia sido separado para abrigar o poder de Deus feito criança.
            Penso na passividade que marca a muitos de nós. Geralmente reclamamos da monotonia e do cotidiano que se repete à exaustão, cansando-nos e nos levando ao desespero da depressão. Esse ciclo interminável das mesmas coisas que se repetem nos constrange a ficar parado como se não houvesse mais caminhos a trilhar.
            A mudança que alterou a rotina de Maria tem nome: Espírito Santo. Ela ficou cheia da maior de todas as forças e, por isso, desse encontro ela saiu fortalecida. Seu cotidiano não estaria mais marcado pela mesmice, mas sim pela poderosa revolução que Deus estava fazendo em sua vida. Maria era uma mulher que vivia no Espírito Santo e, por isso, sua vida estava marcada pela suavidade do vento que refresca a vida, mas que também provoca as mais fundamentais mudanças em nosso modo de ser e de viver.
            Viver no e com o Espírito Santo significa, ao contrário do que muitos pensam e gostariam, viver inserido na realidade. Talvez seja essa uma das principais funções do Espírito: lançar-nos no olho do furacão, isto é, nos inserir na realidade para que ali o projeto de Deus tenha condições de nascer. Nesse caso, a cão do espírito diz não à alienação e sim à leitura e proteção da vida.
            Nossa passividade está em relação direta com a nossa falta do Espírito. Não podemos e muito menos devemos colocar o Espírito Santo em grades. O lugar dele é dentro de nós. Podemos dizer que a maior e mais fundamental das revoluções tem início a partir do momento em que dizemos: “Vem Espírito Santo, vem habitar em minha vida”.

3. Reencantamos a vida religiosa quando construímos sentido para a vida:

            Nietzsche dizia que a perda de sentido é “a esponja que apaga o horizonte” e que o homem é um “animal enfermo de sentido”. Uma das perguntas mais emblemáticas que fazemos é justamente essa: Qual o sentido da vida? Temo que a grande maioria das pessoas não saiba como responder a essa pergunta. E, conseqüentemente, vivem a vida toda à procura de um sentido que nunca encontram. Sentido é o que nos liberta das amarras que nos aprisionam e dos medos que nos aterrorizam. Aprisionados não encontramos a própria identidade e a finalidade de vivermos, ou seja, o próprio sentido.
            Não podemos abrir mão da identidade que temos, nem da finalidade que procuramos como seres humanos. Posso afirmar que a identidade é o valor fundamental para a pessoa e a finalidade é o maior motivo que a pessoa pode ter. Se Nietzsche estiver certo ao afirmar que o homem é um animal enfermo de sentido, também é possível afirmar irretocavelmente que o que cura o ser humano enfermo é exatamente viver o sentido ou com sentido. É o encontro com o sentido que cura, fortalece e deixa acesa a razão de viver. Quando perdemos o sentido, perdemos também a paixão e nocauteamos a esperança. Mas não podemos nos esquecer de que a própria essência do ser humano não admite estar sem esperança.
            Construímos sentido para a vida (identidade e finalidade), por exemplo, quando amamos. É possível dizer que o sentido somente será eficaz quando existir o amor por alguém, quando existir uma presença a quem responder com atos e palavras de amor.  O sentido para a vida vai se tornando real à medida que nos aproximamos das outras pessoas e contribuímos para que “também elas” se encontrem nesse caminho que é igual para todos nós.

Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi
Organizadora: Irmã Maria Vieira Feitoza, ICP.

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