MEDITEMOS COM MARIA O MISTÉRIO DA NOSSA CONSAGRAÇÃO

Deus escolheu-nos eternamente no seu amado Filho, Redentor do mundo. A nossa vocação à graça da adopção como filhos de Deus é algo que corresponde afinal à eterna verdade deste estar « escondidos com Cristo em Deus ». Esta vocação realiza-se no tempo, para todos os cristãos, por meio do Batismo, que nos sepulta à semelhança da morte de Cristo. Por este Sacramento principia também para nós o « estar escondidos com Cristo em Deus »; e este fato inscreve-se na história de uma pessoa determinada que recebeu o Batismo. Participando sacramentalmente na morte redentora de Cristo, fomos também unidos a Ele na sua ressurreição (cf. Rom 6, 5). Começamos a compartilhar essa « vida nova », de uma novidade absoluta (cf. Rom 6, 4), iniciada por Cristo — precisamente mediante a ressurreição — na história humana. Esta « novidade de vida » significa em primeiro lugar a libertação da herança do pecado, da escravidão do pecado (cf. Rom 6, 1-11).
Ao mesmo tempo — e sobretudo — ela significa a « consagração na verdade » (cf. Jo 17, 17), na qual se descobre plenamente a perspectiva da união com Deus, da vida em Deus. E assim, a nossa vida humana « está escondida com Cristo em Deus » de modo sacramental e conjuntamente real. Ao Sacramento corresponde a realidade viva da graça santificante, que impregna a nossa vida humana mediante a participação na vida trinitária de Deus.
As palavras de São Paulo, em particular as contidas na Carta aos Romanos, indicam que toda esta « novidade de vida », que é participada em primeiro lugar mediante o Batismo, encerra em si o princípio de todas as vocações que, no desenrolar-se da vida de um cristão ou de uma cristã, lhes demandarão que façam uma sua escolha e uma decisão consciente na Igreja. Em cada uma das vocações das pessoas batizadas, de facto, reflecte-se um aspecto daquela « consagração na verdade », que Cristo realizou pela sua morte e ressurreição e encerrou no seu Mistério pascal: « Por eles eu consagro-me a mim mesmo, para eles serem também consagrados na verdade » (Jo 17, 19).
A vocação de uma pessoa humana para consagrar a sua vida toda situa-se numa relação especial com a consagração do próprio Cristo pelos homens. Ela germina sempre da raiz sacramental do Batismo, que encerra em si a primeira e fundamental consagração da pessoa humana a Deus. A consagração mediante a profissão dos conselhos evangélicos — ou seja, mediante os votos ou as promessas — é um desenvolvimento orgânico daquele princípio que é o Batismo. Na consagração está contida a escolha amadurecida que se faz do próprio Deus, a resposta esponsal ao amor de Cristo. Quando nos doamos a nós mesmos a Ele de modo total e indiviso, desejamos « segui-1'O », tomando a decisão de observar a castidade, a pobreza e a obediência no espírito dos conselhos evangélicos. Desejamos ser o mais semelhantes possível a Cristo, conformando a nossa própria vida segundo o espírito das bem-aventuranças do Sermão da Montanha. Mas sobretudo, desejamos possuir a caridade, que permeia todos os elementos da vida consagrada e os une como um verdadeiro « vínculo de perfeição (cf. Col 3, 14). (Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 44; Decr. sobre a renovação da vida religiosa Perfectae Caritatis, nn. 1; 6; C.I.C. can. 573 S 1; 607 3 1; 710).
Tudo isto está contido no significado daquela palavra de São Paulo « morrer », o que se inicia sacramentalmente no Batismo: um morrer com Cristo, que nos torna participantes dos frutos da sua ressurreição, à semelhança do grão de trigo que, caindo na terra, « morre » em vista de uma vida nova (cf. Jo 12, 24). A consagração de uma pessoa pelos vínculos sagrados, é que determina uma tal « novidade de vida », que poderá realizar-se somente sobre a base do « esconder-se » em Cristo de tudo o que constitui a nossa vida humana: a nossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Se a consagração de uma pessoa pode ser comparada, sob o ponto de vista humano, com o « perder a vida », no entanto ela constitui ao mesmo tempo o caminho mais direto para « a reencontrar ». Cristo, efetivamente, diz: « Quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, achá-la-á » (Mt 10, 39). Estas palavras são a expressão, certamente, do carácter radical do Evangelho. Ao mesmo tempo, porém, é difícil não vislumbrar quanto elas se referem ao homem, quão singular é a sua dimensão antropológica. O que é que existe de mais fundamental para um ser humano — homem ou mulher — do que isto precisamente: o encontro de si mesmo, o encontro de si mesmo em Cristo, uma vez que Cristo é « a plenitude » (cf. Col 2, 9)?
Estas reflexões, centradas no tema da consagração da pessoa mediante a profissão dos conselhos evangélicos, levam-nos a permanecer constantemente no âmbito do Mistério pascal. Com Maria Santíssima, procuremos ser participantes daquela morte que deu frutos de « vida nova », na ressurreição: essa morte na Cruz foi algo infamante e foi a morte do seu próprio Filho! Mas exatamente aí, aos pés da Cruz, « junto da qual esteve, não sem desígnio de Deus » (Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 58) não compreendeu porventura Maria Santíssima, de uma maneira nova, tudo aquilo que já tinha ouvido no dia da Anunciação? Precisamente aí, e precisamente mediante a « espada que trespassou a sua alma » (cf. Lc 2, 35), mediante a incomparável « kenose da fé » (Carta Enc. Redemptoris Mater (25 de Março de 1987), n. 18: AAS 79 (1987), p. 383), acaso não entreviu Maria cabalmente a plena verdade sobre a sua maternidade?
Exatamente aí, não se identificou Ela de maneira definitiva com tal verdade « achando a alma » que, na experiência do Gólgota, teve de perder do modo mais doloroso que podia haver, por causa de Cristo e por causa do Evangelho?
E precisamente neste « encontro » pleno da verdade quanto à maternidade divina, que se tornou a « parte » de herança de Maria desde o momento da Anunciação, é que se inscrevem as palavras de Cristo proferidas do alto da Cruz, as quais indicam o Apóstolo João, designam um homem: « Eis o teu filho » (cf. Jo 19, 26).
Amados Irmãos e Irmãs: retornemos constantemente, pela nossa vocação e pela nossa pro-fissão, ao mais profundo do Mistério pascal! Apresentemos-nos junto da Cruz de Cristo, ao lado da sua Mãe! E aprendamos dela o que é a nossa vocação. Não foi o próprio Cristo, porventura, que disse: « Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é para mim irmão, irmã e mãe » (Mt 12, 50)?


CARTA APOSTÓLICA LITTERAE ENCYCLICAE DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II 

 A TODAS AS PESSOAS CONSAGRADAS
DAS COMUNIDADES RELIGIOSAS
E DOS INSTITUTOS SECULARES
POR OCASIÃO DO ANO MARIANO

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